segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Bolsa Vermelha

Quarta feira, dia 24 de julho de 2013.

Não era um dia qualquer para nós atleticanos, era o “Dia D”.  Quem disse que nós conseguíamos trabalhar? Quem disse que conseguíamos comer devagar e sem encher o prato? A ansiedade, meus amigos, estava no topo.

- Bruno, que horas que eu passo para buscar você e o Guilherme?

- Passa 17h30, temos que tentar estacionar. Será que a gente leva cerveja ou compramos lá  no Peixe mesmo?

- Vamos levar latinha, é melhor. Você está com sua bolsa térmica aí?

- Não, estou com o cooler, mas será que vamos conseguir vaga lá? E pra pegar a cerveja no carro? E pra deixar a cerveja no carro e entrar pro jogo?

- Vamos com calma. Deixa comigo....

15 minutos depois...

- Bruno, fiquei sabendo que não tem jeito de estacionar nas imediações do Mineirão não. Vamos comprar lá mesmo que é melhor.

- Ok.

Isso porque eram 13 horas apenas e o tempo não passava. Já tinha lido todas as noticias sobre o jogo, visto todas as reprises dos programas esportivos e não conseguia trabalhar de jeito nenhum, mesmo tentando.

- Então Bruno, quanto que fica 04 unidades deste produto?

- ...

- Bruno... Bruno... tá me escutando?

- Añ? Sim, desculpa Alfredo, viajei aqui. Você quer 04 unidades? Deixa eu ver... 80 reais. Você vai levar agora?

- Hahahaha... Sua cabeça já está lá no Mineirão né, filho? Entendo perfeitamente. Espero este momento desde 77. – respondeu, me olhando com os olhos marejados.

- Entendo... Você vai?

- Claro, não perco... Encontraremos lá?

- Tentarei, rsrsrs, pois vai estar lotado né?

Quando deu 16 horas, não agüentei e fui para casa.

- Bruninho, pega as latinhas... vamos levar ,beleza?
- Uai, Lucas, mudou de ideia?

- É melhor. Estou com aquela bolsa térmica véia lá no carro, qualquer coisa a gente joga ela fora, sem erro.

- Ok, mas essa bolsa térmica é guerreira demais! Quantos carnavais e jogos do Galo já passamos com ela?

- Hehehehe, verdade. Daqui a pouco eu tô passando aí! GALOOOOOO!

- GALOOOOOO!

E às 18 horas, estava indo ao estádio Governador Magalhães Pinto, na qual passei muitos momentos marcantes de minha vida, que nunca serão apagados.

Começou aquela farra danada, gritaria nas ruas, só escutávamos “GALOOOO” por todo lado. Eu não era diferente e passava em frente de estabelecimentos já gritando GALO, afinal, isso faz parte da essência do atleticano.

Paramos longe, como esperado. Eu com o pé machucado não estava nem aí e queria era chegar rápido na famosa rua do peixe para reencontrar os amigos alvinegros.

- Guilherme, cadê a turma?

-Estão lá na esquina...

E o tempo foi passando, aquela festa, aquela bagunça. Rua de fogo, hino cantado a todo o momento, só atleticano sabe o que estou falando...

- Vamos entrar?

- BORAAA!!! GALOOOO!!!

- E a bolsa, Bruninho? Joga ai no canto.

- Não, ela é guerreira. Vamos entrar com ela...

Peguei a bandeira da nossa torcida, coloquei dentro dela e fui em direção ao estádio com os amigos.

Pronto e posicionado para o jogo. Fiquei perto da bateria enquanto o Guilherme e Lucas ficaram com o pessoal que sempre está conosco. Algo errado? Talvez para um supersticioso como eu. Já estava me sentindo desconfortável.

- Ô Ronaldinho! Vamos jogar!

- Ô Tardelli ! Acerta uma!

- Porra Jô! Acorda!

Já não estava mais aguentando aquele bando de corneteiros. Bando de torcedor modinha que só vai a campo no bem-bão. #$%¨¨&.

Acabou o primeiro tempo e mudei de lugar, indo pra perto dos amigos. O clima mudou, ficou mais favorável. (Sim, a gente sente quando você está perto de gente que não está passando energia positiva ao time).

- GOOOOOOOLLLLLL!!!!!!

Aquela explosão, o Mineirão inflamou. Joguei a bolsa para o alto, não quis saber de mais nada.

A cada minuto, o jogo foi ficando mais apreensivo e nem lembrava da bolsa.

- GOOOOLLLLLLL!

Segundo gol... Aquele coro de “EU ACREDITO” ecoava em BH, não consegui segurar a emoção daquilo tudo. O Filme dramático já estava chegando ao final com um final feliz desta vez.

Pênaltis, promessas, reza. Tudo valia. Até a hora que o tal do Martinez correu pra bater.

- NA TRAVE!!!!!!!!!!!!!!!!!!

O GALO ERA CAMPEAO DA LIBERTADORES DE 2013!

Não estava acreditando, parecia estar em estado de choque. A felicidade chegava ao ápice de nossas vidas. Eu, Guilherme e Lucas, olhando para s demais amigos, olhando para aquela massa que ainda não estava compreendendo que éramos campeões da America. Começamos a lembrar dos nossos amigos e entes queridos, atleticanos, os vivos e os finados, que em algum lugar estavam felizes.

Passou o foguetório, a entrega do prêmio, a volta olímpica...

- Vamos embora... Praça Sete lá vamos nós!

Olhei para o lado e pro chão e lá estava a bolsa térmica vermelha, guerreira, aquela mesma que joguei para o alto sem pensar duas vezes.  E da mesma forma que desfiz dela, eu a peguei de volta, com um sentimento de admiração e apego por um amuleto.


Aquela bolsa guerreira ficará sempre comigo para me lembrar do momento mágico que eu passei com ela.

Gustavo DBorest, Guilherme Cunha, Lorena, Anne Menezes, Thiago Castro, Bruno Farnese e Lucas Farnese. Galo Campeão!!!


Texto: Bruno Farnese

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Eu Acreditei

Comecei e apaguei esse texto várias vezes.
                                                                            
Na primeira tentativa, pensei em fazer um resumo do que foi essa história fantástica do Galo na Libertadores 2013. Iria falar da água do Ronaldinho, da vitória na altitude com jogada do Serginho, da maior goleada brasileira em gramados argentinos, do quebra-pau dos argentinos com a PM no Indepa. Iria relembrar o “Quando tá valendo, tá valendo” do R10, do gol do Luan no finzinho do jogo no México, do milagre do Victor, da virada contra o Newells.

Mas desisti. Isso vai constar nos jornais e estará sempre presente na memória dos irmãos atleticanos.

Na segunda tentativa, quis fazer um resumo sobre o que senti quando aquela bola acertou a trave, da reza, da fé que eu tive desde que a canhota do Victor isolou o chute do Riascos nas Quartas.

Mas desisti de novo. Isso seria egoísmo. Não queria falar de mim...

E então, lembrei de toda a torcida.

Em todas as vezes que contar a história da Libertadores 2013, não falarei apenas dos jogos, relembrando jogadas e gols.

Falarei dos meus irmãos de arquibancada.

Esses irmãos que comeram o pão que o diabo amassou desde 71. Pessoas que foram obrigadas a aguentar gozações, durante 40 anos, sobre a falta de títulos, sobre o azar eterno do time.

Mas que não desistiram.

Que enfrentaram todo o amargor de disputar a segunda divisão.

São pessoas que abrem mão de estar com a família em vários momentos, que fazem esforços financeiros que desagradam quem não sabe o tamanho desse amor pelo Galo. 

E então, resolvi me concentrar neles.

Semana passada, estive no Paraguai, conforme já relatado. Tomamos pedradas, fomos vítimas da polícia bandida do Paraguai e do acaso de um gol de falta no fim do jogo.

Na volta, a turma do ônibus se uniu, formando uma grande família em que TODOS que estavam no ônibus estavam confiantes no título. “Vamo Galo, ganhar Libertadores... E vamo vamo Galo, ganhar Libertadoooooores” foi um dos hinos dessa turma que não abaixou a guarda hora nenhuma.

Aliás, essas viagens nos mostram o quanto vale um título, mas não a taça em si e sim o caminho percorrido. Viajei pra Argentina pro jogo contra o Sarandi e pro Paraguai somente, pois meu trabalho não permitia faltar a tantos dias de serviço. Mas amigos foram a Bolívia, México, São Paulo e pra Rosário e representavam bem a todos.

E estávamos todos lá ontem. A turma do ônibus pro Paraguai, os amigos que viajaram quando eu não pude, os amigos que não puderam viajar em nenhum jogo e os amigos que conhecemos somente na arquibancada.

Apoiamos, rezamos, vibramos, cantamos. Acreditamos mais do nunca. Choramos de alegria, outros desmaiaram de emoção.

Mas o mais importante é que comemoramos.

Por isso, quis falar sobre eles. Sobre a nossa torcida.

Nós merecemos isso, mais do que ninguém. Só nós sabemos o que passamos nessa vida e o quanto o sangue alvinegro fervia em nossas veias para nos levantar quando todos queriam nos afundar.

Mas nós vencemos, graças a Deus.

Como disse no texto sobre o Rosário, tudo nessa vida é um ciclo. E a nossa hora chegou. Demorou, mas chegou.

Então, que me desculpe o jogo em si.

O que será tema constante dos meus relatos de campeão da Libertadores é a garra dessa torcida. Que virou noites soltando fogos para incomodar o adversário. Que enfrentou mais de 100 horas de onibus pra Argentina. Que tomou pedrada do Uruguai. Que fica de costas pro jogo enquanto tira fotos da torcida. Que chega em casa e prefere se dedicar a escrever textos e compartilhar informações do que dormir. Que perde relacionamentos por causa do Galo. Que perde emprego por causa do Galo. Que deixa de melhorar de vida para gastar com Galo.

A minha história é a mesma de todos nós.

Movidas pela fé, pela raça e pela luta.

Parabéns a todos nós.

Libertadores!!!! Ainda que tardia... 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Eu Acredito- II

Depois de passar 76 horas no ônibus e ficar quase 4 dias inteiros rodando pelas estradas brasileiras e paraguaias, fiquei com medo do que nos aguardaria quando retornasse a Belo Horizonte.

Por vários momentos, ficava olhando pela janela e pensando naquela experiência que vivenciava. Antes do jogo, pensava que oito milhões de pessoas gostariam de estar naquele estádio, naquele momento, no meu lugar. Nunca havíamos disputado uma final de Libertadores e apenas duas mil pessoas estavam ali. Era um privilegio que não imaginava que teria.

Essa ficha caiu quando o jogo começou e procurei fazer o meu melhor. Cantei o máximo que pude, apoiei o tempo todo, sempre pensando que eu não poderia ficar calado, pois milhões de pessoas queriam cantar, queriam apoiar, queriam estar ali para ver o sonho acontecer.  E cantei.

Quando o jogo acabou, vi pessoas jogando a toalha sob o argumento de que o “Galo era sempre assim”. Outros lamentavam que o jogo será no Mineirão e não no Horto. E alguns afirmavam que o Galo seria o campeão “com certeza”.

Juro que eu não sabia o que pensar. Até que eu vi o mascote do time deles correndo pelas arquibancadas segurando uma réplica da taça, junto com outras crianças que gritavam que o Olimpia era o campeão da Libertadores 2013.

E aí eu tive a certeza de que vamos virar esse jogo. Não é justo com tudo o que aconteceu.

Porque não pode ser justo um time daquele país corrupto e com uma mentalidade tão tacanha e violenta levantar o caneco.

Demoramos 24 horas para fazer BH – Foz do Iguaçu, onde dormimos. Saímos 11 horas do hotel e só chegamos ao estádio às 19h, pois fomos parados por quatro vezes por policiais nas estradas paraguaias.

Vejam bem. QUATRO paradas. E em TODAS elas fomos obrigados a pagar propina para continuar com a viagem. Não pense que era problema na documentação do ônibus. Era bandidagem mesmo, descarada.

Em uma parada, recolheram uma caixa de isopor VAZIA. Propina. Depois alegaram que faltava um carimbo de autorização. Propina de novo. Em uma delas, após ver que estava tudo certo, eu vi o policial paraguaio cobrar CARTÃO DE VACINAÇÃO do motorista do ônibus. E como não tinha, propina.  No total, considerando as três paradas da volta do estádio, foram pagos R$ 3.800,00 (TRÊS MIL E OITOCENTOS REAIS) só em propina para a polícia deles.

O engraçado é que esses bandidos não faziam nada com CRIANÇAS DE 10 ANOS que conduziam motos. Cheguei a ver pessoas vendendo armas. Mas eles só queriam o nosso dinheiro.

Pedimos escolta policial (o valor da propina está incluído no valor acima) e isso era feito com o carro deles atrás do nosso ônibus. Apenas quando chegamos a Assunción, apareceu um carro da polícia que estavam na frente do ônibus, com a promessa de que iriam fazer um caminho alternativo para que não passássemos no meio da torcida deles.

Só que o carro que estava na frente simplesmente entrou em uma via a esquerda e deixou nosso ônibus a deriva. Andamos por alguns quarteirões e só depois de um bom tempo, o carro retornou a escoltar, porém, em direção a torcida deles. Sim, vocês leram certo. Fomos levados para o meio da torcida deles.

Conseguimos chegar ao estádio, mas tomamos pedradas no ônibus. Na entrada do estádio, bafômetros. Tive que soprar duas vezes, desembolar faixas duas vezes, para ser extorquidos novamente. Um copo de refrigerante quente que estava sendo vendido inicialmente por 5 reais, passou a ser vendido por 20 reais. Um pão velho com uma salsicha (que vc escolhia pela cor) eram vendidos por 20 reais.

Comprar era questão de escolha. Você poderia passar fome ou não. Mas tudo era vendido por preços abusivos.

Além das pedradas na chegada ao estádio, fomos alvejados dentro do estádio também. Jogavam pedaços de biscoito, copos com urina, bitucas de cigarro acesas. E a polícia virou o rosto, deixando tudo acontecer.

Ficamos presos no estádio por quase 1 hora e saímos do estádio... com a torcida deles. Andamos da saída do portão até onde estavam os ônibus com torcedores do Olimpia andando no mesmo espaço.  Na saída do ônibus, mais pedras. O pior era a tensão no ar. Víamos que eles estavam se preocupando com algo, como se planejassem algo. E a noticia de que os ônibus da Galoucura foram alvos de uma emboscada chegou na manhã do outro dia quando chegávamos a Foz do Iguaçu.

Enfim, não havia clima de paz no país. Fomos extorquidos pela PM deles, alvo de pedras, polícia jogando nosso ônibus no meio da torcida deles, o tempo todo havia um clima tenso.

E agora, some-se a isso a arrogância deles. Já tem cartaz com o time deles escrito campeão da Libertadores. Houve festa na cidade de campeão. Para eles é certo que o título será paraguaio.

Depois, na volta, cheguei a twittar, assim que cheguei em Foz “Torcida do Galo, eu so peço duas coisas: 1) acreditem 2) Façam os paraguaios voltarem chorando. Ninguém merece o q passamos neste país”.

Pois é o quero. Reciprocidade. Só isso.

Fomos tratados como cachorros lá e explorados. Não vamos deixar que o bandidismo deles vença.

Não vamos cair na onda de quem viajou de avião com a delegação do Galo e não passou pelas ruas.

Foram 76 horas no ônibus. Se o time tiver 30% da raça, da fé e da alegria das pessoas que enfrentaram o calvário de ônibus, seremos campeões mundiais esse ano.


Eu acredito Galo. Sempre.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Em casa

Ela nunca vai aos jogos. Fica em casa, em frente à TV, na sala. Sempre acompanhada de um dos quatro cachorros. Entre eles, escolhe o Bob porque ele estava na sala nos outros jogos da Libertadores e o Galo ganhou – quase – todos. Com ela, também estão a irmã mais velha e a mãe, responsável por fazer três atleticanos felizes naquela noite de 10 de julho. Ou seria 11?

Ela vestia pijama de inverno azul, camisa preta e branca com o 87 estampado atrás, ouvia o jogo pelo celular e comia chocolate, outra paixão. Com o tablet na mão, acompanhava no Twitter a torcida do Brasil inteiro pelo Galo naquela noite de quarta em que o amor pelo alvinegro extrapolou as fronteiras de Minas.

Ela ajoelhou-se com a família e rezou antes do jogo. Pediu a Deus, proteção a Nossa Senhora Aparecida por todo mundo naquele estádio e fez todas as orações que sabia. A fé anda de mãos dadas com o futebol, pra quem não sabe.

Era o jogo da vida do clube, talvez, o mais prejudicado pela arbitragem na história do futebol brasileiro. Ela em via em HD as trapalhadas do juiz. Falta não marcada, cartão não dado e... pelo menos dois pênaltis não dados a favor do CAM. Um gol, marcado pelo menino do Barreiro, da alegria nas pernas, não era suficiente. Era preciso marcar pelo menos um para ela sofrer com penais.

Aos 20 minutos do segundo tempo, com o tempo escorrendo pelos pés, ela desabou. Chorou feito criança, como naquela final do Brasileiro de 99. Chorou feito menina. Chorou feito mulher por um amor não correspondido. Não, era maior, era melhor. Por um gol que não saía. Pela vida do clube na maior competição do continente. Estava tudo escuro, em preto.

De repente... as luzes do estádio se apagaram. O jogo parou. Ela foi ao banheiro, escovou os dentes, apagou as luzes da varanda de casa, e voltou para a sala com a esperança de luz branca no Horto, famoso pelo “caiu lá, morre”. E a esperança era ver o NOB morrer, não o Galo morrer de novo na praia. (Ops, no Horto. Em Minas não tem praia.)

A luz voltou no estádio. E dentro do Galo também. – Os jogadores estavam cansados, afobados e a luz do time estava em stand-by -. O Cuca, e a sua cuca maluca, mexeu no time. Colocou Guilherme e o Alec Lelec Lec em campo. Ela disse para a irmã: ‘e o Cuca insiste no Guilherme. Tsc!’ O bocudo bonitão chutou a gol. Pra foooora, como sempre. E ele chutou de novo. E ele fez gol. E ele mudou o cenário do jogo. E ela chorou, ainda mais.

Bom, ela precisava respirar e torcer, mais uma vez, pela sorte e competência dos jogadores na batida de pênalti. Ela torceu, até contra o vento. Ela é da geração “quase” do Galo. Ela palpitou quem erraria e acertaria. Ela acertou no Twitter o primeiro palmite: o NOB errou. E acertou o quarto e último, o mais importante. Victor, Victor, Victor, Victor... ela só gritava isso na sala de casa com a voz mais baixa porque estava com a garganta doentinha. E ela abraçou a mãe, a irmã, a camisa 87 e o cachorro. Elas choraram e rezaram juntas. Agradeceram à Deus, à Nossa Senhora Aparecida pela classificação. Ela beijou a medalha que leva no pescoço da mesma santa. O Clube Atlético Mineiro é finalista da Libertadores, pela primeira vez na história do clube.

Ainda acordada e atordoada com a emoção, ela viu a história do clube ser escrita numa TV, em HD. E lembrou-se daquele 1992 e uma tal de Conmebol. Ela não entendia de futebol, mas viu um Galo campeão em uma TV em preto e branco, como as cores do time.

Ela viu a esperança mudar de verde para preto e branco, e ainda assim deixando o time com cor. Ela viu a luz branca no fim do túnel preto, e no fundo, a taça da Libertadores, reluzente em cima de uma mesa. Ela viu aquela mesma taça que surgiu na sua frente em Buenos Aires, em março de 2013, dentro do La Bombonera, com o símbolo do CAM e abaixo os dizeres: campeão da Copa Bridgestone Libertadores 2013.


*Ela é Flávya (ou Flávia), 25 anos. Para o aniversário, no próximo 4, só quer de presente pelos 26 anos o título, a conquista, a América. Só quer gritar “é campeão”, entalado na garganta desde 1999...


Flávya Pereira
Twitter: @flavyapereira




quinta-feira, 11 de julho de 2013

Eu acredito

Só teremos noção da proporção desta Copa Libertadores de 2013, daqui muitos anos, quando as histórias desse torneio serão contadas por nossos filhos aos seus rebentos.

Cada jogo, cada momento, serão eternamente lembradas de onde estávamos no momento em que os fatos ocorriam.

Você se lembra onde estava quando o Brasil foi Penta? Do que fazia quando o Senna morreu? Com que roupa estava quando o John Lennon foi assassinado? Claro que se você estivesse vivo em um desses momentos, você vai se lembrar exatamente onde estava, o que fazia.

Pois é, será assim daqui alguns anos.

Você contará sobre cada jogo e lembrará cada detalhe. Irá falar que estava conversando com seu amigo quando o Ronaldinho bebeu a água contra o São Paulo. Se lembrará perfeitamente de onde estava e com quem estava quando o Galo venceu a altitude. Irá relatar com detalhes quanto bebeu e a “camisa da sorte” que foi usada contra o São Paulo.

Mas eu tenho certeza de que todas às vezes que citar as passagens por Tijuana e Newells Old Boys, independente de qualquer coisa você irá contar para seus filhos que você acreditou. Que você não desistiu. Que você torceu contra o vento.

Eu tenho certeza de que quem acredita em Deus, irá contar com detalhes das orações e das promessas feitas para a classificação se concretizar. Mas tenho mais certeza ainda de que até mesmo os ateus, mesmo que não assumam, mesmo que neguem, por pelo menos um instante, um segundo que seja, olharam para o céu em busca de explicação ou de um agradecimento.

Fotaça tirada pelo Daniel Teobaldo
 (www.soulgalo.com.br)

Quando escrevi o texto sobre o jogo de Rosário, fiquei receoso por fazer tantas menções religiosas por acreditar que nem todas as pessoas são cristãs e poderiam me entender mal, sendo que só queria transmitir uma mensagem que fizesse as pessoas crer, assim como eu acreditava, que algo estava para acontecer.

Se você chegou até aqui, viu que em momento nenhum eu afirmei que o título será nosso. Mas eu acredito que temos totais condições de sermos campeões.

Nada acontece nessa vida por acaso. Nada.  E eu disse isso ontem várias vezes, aos prantos, com todos os meus amigos de arquibancada. Nada acontece por acaso. Nada.

E essa história que você irá contar, também passará pelos foguetes que viraram a madrugada para incomodar os argentinos, passará pela Rua de Fogo que foi feita para recepcionar o time, mencionará o fato do nosso zagueiro jogar no sacrifício.

Mas a história que eu contarei, não deixarei de mencionar nunca um detalhe.

Enquanto eu estava na rua Pitangui bebendo com amigos, antes do jogo, um mendigo me pediu um gole de cerveja. Coloquei para ele no copo e ele me agradeceu, dizendo que não era de Minas Gerais, mas que torcia pro Galo porque os torcedores não tinham preconceito contra ele.

Eu achei interessante e disse que eu o via como uma pessoa que não tinha as mesmas condições de todo mundo, mas que era digno de respeito e por isso não tinha nenhum preconceito.

Até que ele me disse. “Posso te pedir uma coisa? Só uma? No próximo jogo me dê uma camisa do Galo? Pode ser pirata... Meu sonho é ter uma camisa.”

Fiquei emocionado com o pedido. Pensei em comprar uma pirata pra ele ali mesmo, mas estava com pouco dinheiro na carteira (R$ 15) e os ambulantes não aceitavam cartão. Aí respondi brincando. “Pode deixar que eu vou trazer pra você com o maior prazer, mas e se eu não te encontrar?”

“Se você não me encontrar é porque não era pra eu ganhar uma camisa sua. Mas na final, eu vou estar lá fora catando latinhas. E aí você me dá”, respondeu o mendigo.

Antes mesmo que eu falasse algo, ele ainda disse. “E nós vamos pra final. Tenho certeza disso. Pode anotar e me cobrar depois do jogo. Eu acredito. E posso ver que você também acredita. Então, como prova de que acreditamos, vamos fazer um pacto. Na final, você me dá uma camisa do Galo qualquer”.

Apertei a mão do sujeito, nos despedimos e ele foi embora.

Hoje de manhã, separei uma camisa minha.

Espero que quando contar essa história, daqui vinte anos, diga que eu comemorei um título da Libertadores, abraçado com um mendigo que ganhou uma camisa minha.


Uma camisa do Victor.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Nosso rosário

Conforme a religião católica ensina, um rosário (ou santo rosário) consiste numa corrente com contas ou nós nas quais os fiéis fazem orações de forma repetitiva. Atualmente, tal corrente é composta de duzentas contas divididas em quatro partes: 

O Primeiro fala dos mistérios gozosos (Nascimento de Cristo e expectativa em torno dele).

O Segundo fala sobre os momentos luminosos (Jesus se estabelece e atende às expectativas, mas é obrigado a passar por provações e operar milagres).

O Terceiro fala sobre os mistérios dolorosos (Paixão e sofrimento de Cristo).

Por fim, o quarto e último conjunto é sobre os momentos gloriosos (começa na Ressureição de Cristo e terminando na Assunção e Coroação de Maria).

Ironicamente, para nós Rosário significa um calvário, um local onde sofremos e vemos a fé se esvair por entre os dedos. Aquele local onde não queremos voltar mais, tamanha energia negativa que assolam a massa atleticana.

Porém, ao pesquisar sobre rosário, refleti bastante sobre nossa vida alvinegra e como ela se parece com a corrente religiosa.

Inevitável para você, atleticano, independente da sua fé ou da sua religião, não pensar no que o time do Galo passou ao longo da sua história e achar que estamos cravados nos momentos dolorosos e precisando urgentemente passar para os gloriosos.

Pelo amor de Deus, não pense que estou comparando o Galo com a história de Jesus Cristo, não é isso.

Só acho interessante pensar que o rosário não é uma linha que termina com os momentos gloriosos. Ele é um ciclo. Depois da última conta dos mistérios gloriosos, se inicia a primeira conta dos momentos gozosos, onde se retorna aos luminosos e se passa pelos dolorosos de novo.

Independente de se acreditar em Deus ou não, da sua religião ou da sua crença, quero apenas que enxergue esse ciclo. Todos passamos por ele, temos momentos de nos colocarem a prova, passamos por sofrimentos e temos glórias.

E o que nos ensina a reza de um rosário é ter fé. Por isso as pessoas fazem suas orações repetidas contando bolinhas naquela corrente. É por fé, é por acharmos que algo de bom vai acontecer.

Pedir ao atleticano para ter fé é cruel, eu sei. Sofremos em 1977, 1980, 1981, 1987, 1990, 1994, 1996, 1997, 1999, 2001, 2005, 2009, 2012, dentre outros anos.

Sou filho da arquibancada que em 1996 viu o Galo sair pra Portuguesa. Chorei com a perda do título de 1999. Quase me afoguei com o dilúvio de 2001. 2005 eu nem comento.

Mas se tem algo que me fazia voltar ao estádio no ano seguinte, mesmo após ver o sonho escorrer por entre os dedos é a fé de naquele ano seria diferente.

Ontem, perdemos o jogo e estamos em desvantagem.

Muitos se entregaram e não acreditam na virada. Não os julgo, pois como disse acima, sofremos durante muito tempo e estamos calejados de ver o sonho acabar.

Eu acredito. Eu tenho fé que ontem foi apenas mais uma conta do mistério doloroso. Eu tenho fé que nosso momento glorioso está chegando. Uma hora chega, é o ciclo.

A única coisa que eu te peço é que, caso vá ao Independência dia 10, esteja com fé. Acredite.

E apóie. Apóie o tempo todo. Grite o máximo que puder. Cante o mais alto que conseguir. Não deixe de acreditar por um só instante. Se existe algo que temos a nosso favor e que historicamente opera milagres é a nossa força, a nossa raça.

Se vamos conseguir não posso afirmar, mas posso garantir que eu acredito. E muito.

Nosso calvário está chegando ao fim e Rosário será apenas uma conta de sofrimento para o momento glorioso que vai chegar.

Afinal, torcemos contra o vento.



Foto: Gabriel Castro (gabrielcastro.net)