Quando
eu estiver nos últimos dias de vida, bem velhinha espero, terei uma lembrança
muito gostosa de um momento com a minha mãe e a minha irmã mais velha. Claro
que me lembrarei de dias como 30 de maio, 10 e 24 de julho, mas 14 de agosto de
2013 sempre será especial.
Minha
mãe e eu fomos pela primeira vez a um estádio juntas, em 94, mas num show.
Depois voltamos ao velho Mineirão em 98 para assistirmos a um jogo de futebol. Vimos
Time do Barro Preto x Vasco pela Copa do Brasil na torcida celeste e não demos
sorte ao time do Barro Preto. Ele foi desclassificado com o placar de 0x0. O
jogo estava tão bom que eu dormi encostada no alambrado durante todo o primeiro
tempo e metade da segunda etapa.
Em
2008, vi pela primeira vez na vida um jogo do Atlético. Foi lindo! Como era
estagiária de jornalismo em uma emissora de TV, conseguiram pra mim o
credenciamento para acompanhar a equipe. Lá fui eu ver Galo x Palmeiras, pelo
Brasileiro, só que no gramado, com o colete laranja de imprensa. Foi uma baita
experiência ver a Massa lá de baixo!
E
minha mãe nada... Quando os jogos do campeão da América foram para o Horto a
luz se acendeu. Afinal, é muito mais fácil ir de metrô do que pegar três ônibus
para chegar ao gigante da Pampulha. Mobilidade é um dos motivos que sempre me
afastou dos estádios.
Eis
que, durante a Libertadores, eu prometi que iria à final, caso o Galo chegasse
lá. Ele chegou e fui até o Mineirão enfrentar aquela fila gigante como o
estádio pra comprar os ingressos. Tinha rolado uma grana extra dias antes e
pensei: vou levar a mamãe ao jogo. Ela vai amar o presente! Amaria, porque os
ingressos mais baratos tinham se esgotado. E me recusei pagar 400 ou 500 reais
para ver aquele jogo. É muito dinheiro!
E
eu tinha uma dívida com o Independência. Conheci o Centenário, em Montevideo, o
La Bombonera e o Monumental, em Buenos Aires, e nada de conhecer o Caldeirão do
Horto. Achei uma tremenda injustiça e precisava ir lá. E tendo uma estação de
metrô pertinho fica tudo mais fácil.
Planejava
levar a minha mãe de surpresa no jogo contra a Portuguesa, no fim deste mês.
Jogo no domigo e às 16 horas são mais fáceis para ir em família, acredito. Mas
uma decisão em cima da hora mudou tudo. Na segunda, 12, conversávamos em casa
sobre o jogo contra o Bahêa. Quinta, 15, seria feriado em BH. Poxa, por que não
ir na quarta? Partiu de mamãe a iniciativa e ela logo me passou o dinheiro e
soltou: quem vai comprar os ingressos? Na hora gritei “eu”. (Aliás, sempre tive
preguiça de ir pra sede enfrentar fila pra comprar ingresso. Vendas na internet
já!)
Quarta,
14. Ingressos comprados, camisa nova de campeã da Libertadores passadinha e
todo mundo empolgado para um jogo que “só” valia três pontos. Quando cheguei à
estação Central e vi dentro dos vagões vários atleticanos algo tomou conta do
meu ser. Seria a primeira vez que assistiria o jogo no meio da torcida. Aos
descermos na estação Horto uma euforia tomou conta. Um mooooonte de torcedor
devidamente uniformizado com o manto sagrado começou a gritar “Galo, galo” e entrei
no clima. Até chegarmos ao estádio, a visão era de romeiros subindo ladeiras em
direção ao evento religioso mais importante do dia. Chegamos ao portão 10, por
onde entramos, e foi um choque pra mim ver de pertinho o palco de tantas
alegrias nos últimos meses. Eu fiquei encantada com o Independência! Caí no
Horto e senti a magia daquele lugar.
Escolhemos
os assentos na arquibancada onde tínhamos uma boa visão do campo. As bolsas
foram para as cadeiras e a gente para o alambrado. Fone no ouvido, bandeira na
grade, muitas fotos e voz pra gritar gol. Estávamos prontas! Só faltava o Galo
entrar em campo. Entrou e começou toda a nossa alegria em ver o CAMpeão da
Libertadores em ação. Minha irmã já tinho ido a outras partidas, mas também era
a primeira vez no novo estádio, com status de Arena.
Ronaldinho
Gaúcho nos brindava com lances bonitos, Dátolo jogava pela primeira vez com o
manto sagrado, Luan corria feito maluco pelo campo e a gente “endoidava” a cada
lance de perigo. O gol saiu e a gente gritou junto com a Massa. Só faltou
escorrer lágrimas nos olhos. Como é gostoso comemorar um gol dentro de um estádio...
Intervalo
e mais fotos. Era só alegria entre minha mãe, irmã e eu! Estávamos mais
empolgadas para o segundo tempo. Ele voltou e o Bahêa botou medo no melhor time
da América. E a gente gritava “não, sai daí”. “Ah, meu Deus”. “Vai, Victor”.
Coisas assim. Mamãe subiu nas telinhas da grade, xingou o Fernandão e todo o
time baiano, gritou “puta que pariu. É o melhor goleiro do Brasil: Victôoor!”,
cantou o hino e apoiou o time. Cenas que jamais vou esquecer. E vocês tinham
que vê-la, aos 56 anos, fazendo arruaça no estádio. Aí, gol do Galo, de novo.
Foi uma festa só junto com o narrador que ouvimos em todos os jogos. Caixa,
caixa! Gritamos, fiz com a minha mãe e com a minha irmã a peitada a la R10 e
Jô, dancei com aquela que me ensinou a torcer pro Galo o funk do A lelek lek
lek e com a voz saindo dos pulmões juntamos à massa em uníssono “ôoooo, o
campeão voltou”. E a hora clássica dos estádios chegou. Juntas, gritamos em um
lance polêmico: “ei, juiz, vai tomar no piiii”. Não resisti e do meio da massa,
eu escrevi no Twitter: como é delicioso estar no meio da torcida. Ô se é!
O
jogo acabou, o Galo voltou a ganhar, tiramos mais fotos, fizemos bagunça,
saímos com a certeza de que somos pé quentes e lá fora, como é de praxe pra
toda mulher, fizemos comprinhas. Primeiro, comprei uma bandeira pra mim. Com
mastro e tudo. A festa da mamãe voltou! Ela foi da porta do estádio até a
estação do metrô balançando o pedaço de pano com o escudo mais bonito do mundo,
vestindo a camisa 9, branca, personalizada com o nome dela. Ah, e gritando
“Galo”! Depois, parou em outro vendedor e comprou a touca de frio do Galo. O
ônibus com o time passou e ela toda serelepe balançou a bandeira. A empolgação
dela, gente, é a mesma que a minha irmã e eu temos juntas. Mamãe é uma figuraça
quando o assunto é o Atlético!
Na
volta, dentro do trem, 95% dos passageiros eram atleticanos e um dos tios
colocou no celular o hino do clube. Tocou repetidamente até chegarmos à estação
final – Eldorado. Fiquei olhando aqueles torcedores, os tios, a minha irmã
ouvindo o jogo Grêmio x time do Barro Preto e a minha mãe. Fiquei pensando no
quanto aquele momento vai fazer parte da minha vida, da minha história. Vai ser
contada aos meus filhos, aos meus netos e amigos. Fomos felizes!
Agora,
digo uma coisa: amigo, azar é o seu se não tem uma mãe atleticana como a
minha...
Flávya Pereira é atleticana desde que entende o que é futebol, jornalista e fã dos Beatles. E de aniversário – no último dia 04 – ganhou de presente o título de CAMpeã da América.