terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Ajuda que atrapalha

Quem acompanha o blog e viu este recente texto do Bruno, viu que ele disse que iria "respeitar as ordens do dono do blog e não citar nome do time do coração". 

Pois é. Quando eu criei esse blog, não queria que escrever sobre o Galo, o nosso venerado time. Eu sei que existem muitos blogs espetaculares que falam sobre ele e sempre achei que não tivesse gabarito para escrever sobre.

Hoje, porém, irei falar sobre o Galo. Aliás, vou falar sobre o estádio ontem e das coisas que presenciei e que aconteceram comigo porque, para ajudar alguém, eu e esse alguém, quase ficamos sem assistir o jogo por burocracia das autoridades.

Antes de começar o jogo, estava, como sempre, bebendo com amigos nas imediações do estádio Independência. Tudo corria bem, vários amigos lá. Até que estourou um foguete.

Estava olhando para o portão 4 quando assustei com o foguete a ponto de quase abaixar de susto. E neste instante vi que o foguete estourou na nuca de uma menina, queimando sua nuca e fazendo com que a mesma perdesse um pedaço do cabelo.

Muitas pessoas na hora se revoltaram porque o foguete foi solto mirado pra torcida e não para o alto. E ao lado da menina que recebeu a “foguetada” na nuca, estava um pai de família que carregava uma criança no colo, o que poderia trazer conseqüências seríssimas.

A Polícia Militar foi verificar a situação com a menina e algumas pessoas apontaram para o suspeito de ter soltado o tal foguete.

Pois bem. Vários se revoltaram, mas a situação estava resolvida. Aparentemente.

Alguns instantes depois, enquanto conversava com um policial (soldado) sobre o uso dos cavalos nos arredores do estádio, os assaltos e sobre o caso da menina, chega um sargento dizendo que a tal menina atingida não iria prestar queixa. Então, vários policiais se reuniram e começaram a discussão sobre o que fazer. Até que o soldado perguntou se eu tinha visto quem tinha soltado o foguete.

Disse que não. Não vi quem havia soltado, apenas vi o suposto “agressor” correndo e a policia indo algemar o cara. Ponto. Não sabia de mais nada.

Aí o sargento veio falar comigo que queria que eu testemunhasse o caso, pois a menina não queria registrar a ocorrência. Repeti que não poderia testemunhar porque não tinha visto o causador de tudo, apenas alguém correndo e sendo preso.

Aí o sargento disse que o comandante do policiamento no jogo precisava ouvir isso para liberar a menina.

Disse que não queria perder o jogo, mas sobre a promessa de que iria assistir o jogo tranquilamente e que não teria contato visual com o suspeito, aceitei ir dar o depoimento. Eram 16 horas e o jogo era às 17.

Acompanhei o sargento e encontrei com a menina. Muito simpática, a mesma me disse que não iria prestar queixa porque não sabia quem tinha sido e não queria acusar ninguém sem ter certeza.

Sentamos então nas cadeiras próximas a sala da PM e estávamos esperando sermos ouvidos. Depois de passar os dados pessoais para dois policiais em momentos distintos, faltando 10 minutos pro começo do jogo, o sargento me chama para conversar com o comandante.

O problema foi que quando entrei na sala, o suspeito estava lá, sentado. E o capitão (comandante) me pediu os dados.

- Já passei pra outro policial.

- Mas não me passaram nada.

- E você quer que eu passe os meus dados na frente do acusado?

- Ele não vai fazer nada. Fala logo.

E passei os dados. Endereço, telefone e profissão. Ao ser questionado sobre os fatos, apenas informei que não vi quem tinha soltado os foguetes e que vi o rapaz correndo.

O capitão agradeceu e falou que eu poderia ir ver o jogo, mas que eu não estava liberado ainda, pois dependeria do delegado da partida.

Então voltei a sentar ao lado da menina e assistimos o primeiro tempo inteiro, cercado por policiais militares e civis.

Porém, foi só o árbitro apitar o fim do primeiro tempo que fomos chamados. A PM passou a ocorrência para o delegado e ele abriu a ocorrência de novo, agora, na Polícia Civil.

A primeira revolta foi ver que todos os policiais civis estavam próximos de mim e da menina durante o primeiro tempo. E só no intervalo resolveram trabalhar.



Entramos na delegacia e ficamos novamente ao lado do acusado. O delegado nos chamou e disse que precisava colher nosso depoimento. Disse que não tinha visto nada, apenas o cara correr e ser preso e que não poderia afirmar que ele tinha soltado os foguetes e solicitei que fosse liberado. Mas o delegado disse que eu poderia ficar despreocupado, pois seria ouvido rapidamente e poderia ver o jogo.


Mas a menina seria ouvida antes. E que era pra eu aguardar.

Aí veio a segunda revolta. Fiquei aguardando ser ouvido ao lado de possíveis torcedores rivais que estariam infiltrados no estádio. E sem nenhum policial perto, pois foram assistir o segundo tempo.

E como desgraça pouca é bobagem, o time rival desempatou o jogo.

Viram a cena? Eu, possíveis torcedores do Cruzeiro, dentro de uma sala com o time deles ganhando e sem nenhum policial.

E esperei por mais uns minutos. No exato momento em que fui chamado, o Galo empatou novamente.

Viram a cena de novo? Eu, possíveis torcedores do Cruzeiro com raiva porque o time deles tinha tomado um gol de empate do meu e sem nenhum policial.

Mas levantei e prestei depoimento. E, enfim, fui liberado.

A menina, coitada, nunca havia ido a um estádio em jogo do profissional do time. E estava lá, com o pescoço enfaixado e ardendo, com um pedaço do cabelo a menos, mas queria ver o jogo.

E quando saí da delegacia, levei a menina para o meio da torcida para ela sentir a pulsação da mesma.

E quando chegamos no local onde amigos me esperavam o Galo desempatou e virou o jogo.

Nunca vi tanta emoção na vida. Vários amigos chorando e passando mal ao meu lado. Eu mesmo soltei um grito de desespero por não ter conseguido estar lá com eles antes e por ver o Galo ganhando de novo. E a menina ao meu lado chorando por sentir a emoção da torcida pela primeira vez.

O jogo acabou e a menina foi embora. Mas a minha raiva ficou.

Não dela, óbvio. Fiquei com pena pelo fato da primeira vez dela no estádio ter sido assim.

Mas fiquei com raiva das autoridades. Afirmei pra todos que não tinha visto o cara atirar o foguete. Apenas tentei ajudar a menina agredida. E fiquei a mercê da burocracia irritante de inúmeros depoimentos e entrega de dados para vários policiais.

E se eu tivesse visto o cara atirar o foguete? O cara estava ao meu lado e ouviu os meus dados que eu passei para o capitão da PM. Com certeza, ao fim do jogo, ele estaria solto e poderia ir atrás de mim.

E porque policiais ficam assistindo ao jogo ao invés de ir trabalhar?

E porque não se colhe o depoimento da testemunha de uma vez e a mesma é liberada rapidamente?

Infelizmente, é por isso que poucas pessoas se prontificam a ajudar.

E a sensação que ficou é que eu vacilei mesmo em ter aceitado ir tentar ajudar a menina agredida.

Porque se for pra eu testemunhar um fato, perder um pedaço do jogo e ainda passar os dados com o acusado prestando atenção, eu prefiro deixar de fazer o meu papel de cidadão e simplesmente deixar de ajudar.

Infelizmente.

PS: A menina agredida é muito simpática e espero, de coração, que ela se recupere o mais rápido possível.

Atualização: A menina agredida, chama Patrícia Luz e vocês podem achá-la no twitter aqui


Texto publicado originalmente no blog Feriado Prolongado no dia 04/12/12.